O Ministério Público (MP) de Portugal deduziu acusação contra uma família, mãe e três filhos, e um agente da PSP, no processo relativo aos confrontos entre moradores e polícias ocorridos em Janeiro, no Bairro da Jamaica, concelho do Seixal. Segundo a acusação do MP, o polícia, de 34 anos, foi acusado de um crime de ofensas à integridade física simples, enquanto a mulher, de 53, responde por um crime de resistência e coacção.
Um dos filhos, de 32 anos, responde por nove crimes (dois de resistência e coacção e sete de injúria agravada) e outro, de 34 anos, está acusado de oito crimes: dois de resistência e coacção, dois de ofensa à integridade física qualificada, um de dano, um de introdução em lugar vedado ao público e dois crimes de ameaça agravada.
A filha, de 25 anos, foi acusada de seis crimes: dois de resistência e coacção, um de dano, um de introdução em lugar vedado ao público e de dois de ameaça agravada.
Nas redes sociais foram colocados vídeos a circular em que são visíveis confrontos ocorridos em 20 de Janeiro entre agentes policiais e moradores do Bairro da Jamaica, no distrito de Setúbal.
Dois dias depois, a Embaixada de Angola em Portugal revelou estar atenta ao apuramento de responsabilidades neste caso, apelando aos cidadãos angolanos que evitassem “acções negativas”.
O MP relata que pelas 07:00 de 20 de Janeiro de 2019 foi solicitada a comparência da Polícia na Rua 25 de Abril, Vale de Chícharos, Bairro da Jamaica, freguesia da Amora, na sequência de um telefonema para o 112 a dar conta de desacatos, com agressões e mais de 20 pessoas presentes.
Entre 15 a 30 minutos depois chegaram ao local dois agentes da PSP da Esquadra da Cruz de Pau e uma Equipa de Intervenção Rápida composta por um chefe e seis polícias.
A moradora que fez o telefonema para o 112 dirigiu-se à carrinha da PSP e identificou um dos arguidos como o responsável pelas agressões. Com vista à sua identificação, o chefe da PSP e mais três polícias acompanharam-na até um café “onde tinha ocorrido a contenda”, mas o jovem recusou-se a acompanhar os polícias a fim de ser identificado.
“A arguida Higina Coxi, apercebendo-se que os agentes da PSP insistiram que Flávio Coxi os acompanhasse, intrometeu-se gritando ‘o meu irmão não’ e, seguidamente, desferiu uma bofetada na face do chefe (da PSP), empurrou o agente Ádamo Santos e iniciou discussão com Leonella dos Santos, culpando-a pela presença da polícia no local”, descreve a acusação.
Ao “percepcionarem que os ânimos se tinham exaltado e que um dos agentes havia sido agredido”, os restantes polícias saíram das viaturas e formaram um perímetro de segurança.
O MP conta que, “nessas circunstâncias, o arguido Hortêncio Coxi, com o intuito de alcançar os irmãos, os arguidos Higina Coxi e Flávio Coxi, que se encontravam a ser abordados pelos agentes da PSP, investiu o seu corpo contra os corpos” de dois dos agentes, os quais o advertiram e o afastaram com as mãos.
A acusação acrescenta que, “determinado a atravessar o perímetro de segurança”, o arguido Hortêncio Coxi “muniu-se de pedras que se encontravam no chão e arremessou as mesmas na direcção dos agentes, acertando com uma pedra na perna direita” de um dos polícias, e “com uma outra na face do agente Tiago Trindade”, o único PSP acusado pelo MP.
De seguida, o arguido Flávio Coxi e outras pessoas cujas identidades não foi possível apurar, “arremessaram pedras na direcção” dos polícias, uma das quais atingiu a perna de um polícia.
“Perante as agressões a elementos da PSP e descontrolo da situação”, o chefe da PSP ordenou um tiro de advertência, de ‘Shotgun’. Depois de tentar atingir dois polícias com um tijolo, Flávio Coxi e o irmão Hortêncio Coxi abandonaram o local: Flávio “refugiou-se” na casa dos pais (Julieta Luvunga – arguida – e Fernando Coxi) enquanto o irmão saiu do bairro.
O MP acrescenta que, minutos depois, “quando os ânimos já haviam serenado”, o arguido Hortêncio Coxi surge na Rua 25 de Abril a ofender verbalmente os polícias e é dada ordem para a sua detenção por agressões ao agente Tiago Andrade (arguido).
Ao aproximar-se de Hortêncio Coxi para o deter, o agente Tiago Andrade “depara-se com o pai do arguido à sua frente e desfere-lhe um murro, não lhe acertando na face, e uma joelhada na barriga”. E é por esta situação que este agente policial está acusado de um crime de ofensas à integridade física simples.
Apercebendo-se de que os agentes da PSP o pretendiam deter, Hortêncio Coxi, os irmãos Higina Coxi e Flávio Coxi e a mãe Julieta Luvunga, “unem esforços para impedir” a detenção. A acusação descreve empurrões, pontapés e socos na cara desferidos pelos arguidos aos elementos policiais, um dos quais, segundo o MP, atingido também por um tubo no peito.
O arguido Flávio Coxi, “com o intuito de escapar à detenção”, refugiou-se novamente na casa dos pais e “agarrou numa porta de um frigorifico, num micro-ondas e num carrinho de bebé e arremessou” contra um dos agentes. Momentos depois, ao verificar que outros dois polícias se aproximavam, voltou a arremessar o carrinho de bebé, fechou-se em casa mas acabou detido.
Após Hortêncio Coxi e a PSP abandonarem o bairro, os arguidos Higina Coxi e Flávio Coxi dirigiram-se à casa da irmã da moradora que fez o telefonema para o 112 e, “através de pontapés e empurrões”, partiram a porta da entrada e gritaram: “vou-te matar, se eu pego a tua irmã, eu mato a tua irmã, eu mato a Leonella”, refere a acusação.
O racismo dos anti-racismo
Como referido, na altura a Embaixada de Angola em Portugal anunciou que estava atenta ao apuramento de responsabilidades no caso que ocorreu no Bairro da Jamaica, apelando aos cidadãos angolanos que “se abstenham de acções negativas”. Foi um bom conselho, sobretudo quando nas redes sociais aumentava exponencialmente o antipatia, e mesmo ódio, contra os portugueses a viver em Angola.
“A Embaixada da República de Angola em Portugal tomou conhecimento de uma rixa entre duas senhoras, sendo uma cidadã angolana, depois de terem saído de uma festa, no Bairro Jamaica. Lamentavelmente, ao responder ao apelo feito por uma das partes, as autoridades policiais viram-se envolvidas numa situação de resistência, desrespeito e agressão às autoridades o que derivou no uso excessivo da força exercida contra familiares da cidadã angolana que acorreram ao local”, refere a embaixada em comunicado.
O documento acrescenta que as imagens divulgadas nas redes sociais, sobre o incidente, foram acompanhadas de “apelos à exacerbação dos ânimos e atitudes incontidas e de intolerância de vária índole”.
“Ao tomar conhecimento dos referidos factos, o Consulado Geral de Angola em Lisboa, deslocou-se de imediato ao local e prestou o apoio consular aos membros da família nos termos da lei e das suas atribuições, inclusive junto das instâncias policiais e judiciais portuguesas, no âmbito das quais foram e estão a ser feitas as averiguações necessárias e apuradas as devidas responsabilidades”, frisa o comunicado.
Em relação aos casos de desordem pública que ocorreram posteriormente, a Embaixada de Angola reprovou os actos, garantindo que iria denunciar “quaisquer tentativas de aproveitamento ou a intenção de ligação desses desacatos que põem em causa a tranquilidade e ordem pública”.
“Assim, apela aos cidadãos angolanos a assumir uma atitude de serenidade e civismo, respeitando as leis e a ordem pública do país de acolhimento, abstendo-se de acções negativas e de participar em actos que mais não são do que aproveitamentos alheios com fins inconfessos”, salienta o comunicado.
Na altura, em comunicado, a PSP informou que continuava as investigações a estes incidentes, “nada indiciando, até ao momento, que estejam associados à manifestação” de protesto contra uma intervenção policial no Bairro da Jamaica.
Após a manifestação em frente ao Ministério da Administração Interna, em Lisboa, quatro pessoas foram detidas na sequência do apedrejamento de elementos da PSP por participantes no protesto, convocado para dizer “basta à violência policial” e “abaixo o racismo”.
Este protesto ocorreu um dia depois de incidentes em Vale de Chícharos, conhecido por Bairro da Jamaica, entre a PSP e moradores, de que resultaram feridos cinco civis e um polícia, sem gravidade.
O Ministério Público português e a PSP abriram inquéritos aos incidentes no Bairro da Jamaica. Os quatro manifestantes detidos em Lisboa vão ser julgados sumariamente em 7 de Fevereiro.
Enquanto isso, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) acusou algumas entidades políticas e associativas, como o Bloco de Esquerda (BE) e a associação SOS Racismo, de incitamento à violência e de colocarem a população contra a polícia.
O Sindicato Nacional da Polícia – SINAPOL, também acusou responsáveis políticos e a SOS Racismo de produzirem “declarações insensatas”.
“Os comentários de entidades políticas, como o Bloco de Esquerda, e da associação SOS Racismo não vieram contribuir para a solução do problema. Tiveram um objectivo contrário e incitaram à violência”, disse à agência Lusa o presidente da ASPP, Paulo Rodrigues, depois dos incidentes, nomeadamente o ataque com cocktails Molotov contra a esquadra da PSP da Bela Vista, em Setúbal.
Paulo Rodrigues considerou “inadmissíveis” os comentários que “colocam a população contra a polícia” e adiantou que criam a ideia de que é legítimo tentar agredir a polícia.
O sindicalista adiantou que houve uma tentativa de classificar a PSP como racista e xenófoba. Paulo Rodrigues referia-se à deputada do BE Joana Mortágua, que partilhou nas redes sociais um vídeo dos incidentes de domingo no bairro da Jamaica, e comentou que os bloquistas iriam pedir responsabilidades.
A associação SOS Racismo anunciou que iria apresentar uma queixa ao Ministério Público na sequência da intervenção policial, sublinhando que as agressões “são absolutamente injustificáveis e inaceitáveis” e, por isso, o caso deve ser esclarecido e as responsabilidades apuradas.
Também o dirigente da SOS Racismo e assessor do Bloco de Esquerda, Mamadou Ba, publicou um texto na rede social Facebook em que falava da “violência policial” no bairro da Jamaica, e dos confrontos em Lisboa, referindo-se à polícia como “a bosta da bófia”.
Em comunicado, o SINAPOL diz repudiar todos os actos de violência e considera “verdadeiramente preocupante” que “incentivos gratuitos” à violência contra polícias sejam também induzidos pela SOS Racismo, o que “acaba por agravar situações” que já têm um cariz “explosivo”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, negou no dia 22 de Janeiro que o Governo tenha recebido um protesto diplomático de Angola na sequência dos incidentes ocorridos no Bairro da Jamaica.
.
Questionado sobre se poderia confirmar uma notícia avançada pela Rádio Nacional de Angola (RNA), segundo a qual as autoridades de Luanda enviaram um protesto diplomático ao Governo português na sequência da intervenção policial, da qual resultaram vários feridos e a detenção de um cidadão angolano, Augusto Santos Silva respondeu que podia confirmar “o contrário”.
“Confirmo o contrário, que não houve protesto formal apresentado pelas autoridades angolanas junto do Estado português, portanto através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, posso confirmar que não houve”, declarou o ministro.
“É natural que qualquer pedido de esclarecimento de autoridades angolanas – da mesma forma que nós fazemos iguais pedidos de esclarecimento quando há cidadãos portugueses que se vêem envolvidos em assuntos de segurança – possam ser apresentados, e serão evidentemente prestados”, afirmou.
Se Angola, nomeadamente a Embaixada em Portugal, não protestou deveria ter protestado. Desde logo porque ficaríamos a saber se os diplomatas angolanos sabem o que é e onde fica o Bairro da Jamaica, podendo assim dizer quantos angolanos ali residentes estão recenseados, explicando também se cidadãos de origem angolana mas nascidos em Portugal são portugueses, angolanos, ou têm a dupla nacionalidade.
E por falar em racismo
Em Dezembro de 2018, durante o debate que antecedeu a aprovação sobre a Lei de Repatriamento de Capitais, o advogado e fundador da associação Mãos Livres, David Mendes, deputado independente eleito nas listas da UNITA, resolveu fazer um bombástico e selectivo ataque aos portugueses. Não foi a alguns portugueses, não foi a alguns empresários portugueses, foi aos portugueses (“Estou farto dos portugueses em Angola”).
As declarações de David Mendes devem continuar a ser bem analisadas, porque desde logo não é um pé-descalço. É advogado e deputado. As suas declarações são iguais às proferidas por políticos europeus de extrema-direita, xenófobos e racistas que escolhem os seus alvos pela cor ou nacionalidade. Um deputado, pelas responsabilidades que tem, devia ser mais prudente no que diz. Para além de ter errado, insultou não só o Povo português como também o Povo angolano.
Também a reacção da UNITA foi igualmente execrável. A Direcção da UNITA, pela voz do seu líder parlamentar, Adalberto da Costa Júnior, limitou-se a dizer que se demarcava das declarações, classificando-as como um (sic) “deslize”. Deslize? Ou será, antes, que a UNITA – lá bem no seu íntimo – concorda com estas declarações?
Perante este comportamento que, pelo menos em Portugal, fez mais pela destruição do que resta da UNITA do que todas as acções do MPLA ao longo dos últimos 16 anos, o Folha 8 procurou na altura perceber o que teria levado David Mendes a tão radical posição.
Será que, como Hitler antes de chegar ao Poder, já há muitos anos o deputado vive obcecado por questões raciais? Será que, bem lá no fundo, advoga a “pureza” racial e a superioridade da sua “raça”?
Seria que foi uma estratégia de David Mendes para amaciar as investigações do Governo (que, pelos vistos, estavam muito perto do xeque-mate) sobre o seu património imobiliário – directo ou indirecto – que se diz ter exactamente em… Portugal?
No nosso Facebook colocámos a seguinte questão: “Estou farto dos portugueses em Angola”, afirmou o advogado e deputado da UNITA, David Mendes. Terá este atómico ataque aos portugueses alguma coisa a ver com o facto de ter oferecido os seus préstimos, enquanto causídico, a uma grande empresa portuguesa que quer estabelecer-se em Angola, e esta ter recusado alegando “falta de credibilidade profissional” de David Mendes?
Poucas horas depois, David Mendes respondeu de forma antológica e inequivocamente demonstrativa do seu carácter. Eis a transcrição “ipsis verbs”:
“Lamento que o nosso filha seja infeliz na sua análise. Nunca aceitaria qualquer parceria com escritórios portugueses. O director geral do Folha 8, meu amigo é companheiro de luta, o mano William Tonet sabe que eu fui um dos poucos que se opôs a entrada de escritórios portugueses e brasileiros em Angola. Por isso, não acredito de William Tonet tenha subscrito esta barbaridade. Sei que muitos portugueses exercem advocacia ilegal em Angola e sabemos quais são os escritórios de advogados que recorrem aos portugueses”.
Para além de não responder à questão principal e única (ter sido rejeitado por uma empresa portuguesa por “falta de credibilidade profissional”), David Mendes misturou a Maria José com o José Maria, a beira da estrada com a estrada da Beira, dizendo a despropósito, que “nunca aceitaria qualquer parceria com escritórios portugueses”, falando da sua oposição à “entrada de escritórios portugueses e brasileiros em Angola” e dos “escritórios de advogados que recorrem aos portugueses”.
Mas se estas não-respostas revelam que o deputado da UNITA e advogado pode apenas pretender ser uma espécie de João Pinto, seu colega do MPLA no Parlamento, ao trazer à colação o Director do Folha 8, William Tonet, revelou estar mais próximo de Salazar do que de Samakuva, mais perto do despotismo e da tirania do que da democracia, do que da liberdade.
No tempo em que os portugueses dominavam Angola, havia na zona do Bailundo um sipaio a quem, por mera coincidência, as autoridades administrativas de Portugal chamavam de “David – o comandante”. Ele, quando queria impor a sua suposta autoridade, dizia sempre que o chefe do posto era seu amigo.
“Não acredito de William Tonet tenha subscrito esta barbaridade”, escreveu David Mendes, não se esquecendo de referir (não fossem os jornalistas do F8 estarem distraídos) que William Tonet é o Director Geral do Folha 8.
A afirmação de David Mendes, para além de tudo, não é uma tentativa de intimidação. Não é uma tentativa. É mesmo uma intimidação. Mas bateu na porta errada e o tiro saiu-lhe pela culatra.
Acredite senhor Advogado David Mendes. Acredite senhor deputado David Mendes. Mais do que um Jornal, o Folha 8 é a Liberdade. E, parafraseando Manuel Freire (por sinal português), não há machado que corte a raiz à Liberdade.
Folha 8 com Lusa